Coerência textual


Mas a vida não é como a gente quer: entre o sonho e a realidade, existe um anjo mau que resiste ao nosso desejo.
Sonho de criança

Sonho de criança

Domos, quando criança, costumava ter sonhos ousados: ser um astronauta, um piloto de fórmula 1, um publicitário, um engenheiro, um executivo de finanças e até mesmo um grande cientista, pois queria marcar a história da humanidade com uma realização formidável. Sua ingênua inocência permitia-o almejar além do imaginário e sem limites. Contudo, sua realidade era outra: seu pai não acreditava que, para ser bem sucedido, um homem precisava de estudos, bastava apenas ser esperto. E assim Domos nunca pôde sequer pensar em freqüentar um colégio; muitas vezes, chegava até pensar em fugir de casa, mas o amor que sentia pela sua família lhe tirava as forças de seguir tal plano. 
Aos treze anos, as últimas opções de ser um literato pareciam ter se exposto nitidamente à vida de Domos: seu pai faleceu e ele assumia a responsabilidade de ser o “homem” mais velho da família, com mais quatro irmãos dependendo dele e de sua mãe para sobreviver. Assim, a vida de trabalho operacional se sobrepunha aos sonhos antigos de Domos. Aos vinte anos, ele estava plenamente convencido que essa seria sua vida: trabalho árduo e os antigos objetivos agora já passavam realmente de apenas sonhos de criança.
Aumentando a responsabilidade de Domos, agora ele também era pai prematuramente, não somente por ter literalmente assumido a posição de seu pai ao lado de sua mãe, mas também por ter ele próprio gerado agora uma nova vida a partir de seu sangue, fruto da crença de que a vida mais soberana e feliz era aquela em que um homem, como ele já se sentia, gerava sua própria família: esposa e filhos. 
Com isso, seus objetivos agora eram outros: ter um emprego, uma casa e um carro melhores, proporcionar alguma viagem à sua família e, acima de tudo, prover aos seus filhos as oportunidades que ele não havia tido. No fundo, Domos apostava que eles seriam o cientista que ele não foi ou o engenheiro que ele um dia planejou ser.
Aos quarenta, Domos percebeu que algo o incomodava, o tornava infeliz, pois os seus filhos não o recompensaram com a realização de suas expectativas mais profundas, porque eram pessoas comuns, sem grandes aspirações. Não pareciam ser tão sonhadores nem tão ambiciosos quanto ele desejava que eles fossem. Com isso, a decepção tomou conta de seu coração, mas esse sentimento instalou-se devido ao fato de que tal decepção era mais consigo mesmo do que com os filhos, afinal, quem sonhava alto era ele e não seus filhos, e a frustração por ter trocado suas aspirações por outras o corroia. Como podia ele cobrar que seus filhos atingissem os sonhos que eram só dele?
Decidiu então que ainda era tempo para correr atrás das suas motivações mais remotas, afinal, ele ainda se sentia vivo e a vontade de ser o que sempre almejou pulsava em suas veias. Então, recuperou o tempo perdido e concluiu o Ensino Fundamental e o Ensino Médio em poucos anos, em um desses cursos desenhados para adultos que retornam tardiamente aos estudos. Após essa etapa, ele acreditava concretamente que havia atingido o principal meio para realizar seus objetivos: a universidade! Ingressou na faculdade de Publicidade e Propaganda e sentia-se realmente feliz pela conquista. Mesmo que fosse se formar aos quase cinqüenta anos, se encontrava em um estado de voracidade. 
Entretanto, o fator da idade demonstrou ter um peso maior do que ele pensava. Além de seus próprios colegas de faculdade demonstrarem disfarçadamente preconceito, o que era pior, para ser um Bacharel, todos os alunos precisavam passar por um estágio prático obrigatório em alguma empresa e Domos teve mais dificuldade do que planejava, quando era repetidamente recusado pelas empresas que se candidatava devido a sua idade enquanto seus colegas jovens eram disputados, afinal, para os empresários, uma pessoa jovem teria mais probabilidade de agüentar muitas horas de trabalho e mais facilmente poderia ser moldada à cultura da empresa. Assim, nem sequer davam a Domos a oportunidade de uma entrevista. 
Aos cinqüenta e cinco anos, Domos ainda espera uma possibilidade de estágio para conseguir o seu diploma e nunca pôde mostrar suas habilidades, sua competência criativa e ousadia tão típicas de sua personalidade e essenciais para um publicitário. Mas a vida não é como a gente quer: entre o sonho e a realidade, existe um anjo mau que resiste ao nosso desejo.



Sentimento Duplo

Os Romena eram uma família tranqüila e feliz. Uma família nova, de 3 membros. Jorge, um executivo de 35 anos; Carmélia, uma advogada de 33 anos, e seu filho César, de 7 anos.
Em uma determinada Terça-Feira do mês de Outubro, Carmélia, como sempre fazia, precisava viajar a negócios, para visitar um cliente em outro Estado. Seu marido, Jorge, lhe levaria ao aeroporto e, como sempre, não podia esperar pelo vôo de Carmélia partir, pois além de ser um homem muito ocupado, o horário do vôo de Carmélia naquele dia coincidia com o horário em que deveria buscar César na escola. Portanto, Jorge teve que deixar sua esposa na porta do aeroporto para buscar seu filho rapidamente, pois a escola fecharia às 19.30h e César já deveria estar preocupado com a ausência do pai até aquele momento.
No caminho, ouviu no rádio que o avião que iria decolar acabara de cair, não conseguira manter o vôo constante com sucesso por mais de 30min e todos os passageiros morreram. Sem sobreviventes! 
Jorge não sabia como contar pro seu filho. Deixou-o em casa e saiu para caminhar, atordoado, pela cidade, à noite. Pensava em ir ao aeroporto, em processar a companhia, em gritar para o mundo, em se matar, enfim, um turbilhão de sentimentos ao mesmo tempo. Saiu zonzo pra caminhar como que em busca de uma solução para a morte de sua esposa. Ele chorava muito, desesperado. Cambaleava ao andar. 
Como a noite era chuvosa, ele estava ficando muito molhado, por um instante, parou embaixo da matriz de um prédio luxuoso, se protegendo da chuva. Foi quando ouviu barulhos de pancadas, barulhos de agressão física e gemidos de mulher. Aproximou-se. Os barulhos não cessavam. Percebeu que vinham do 3º andar. Na seqüência dos fatos, viu um casal descendo, saindo do prédio brigando. Mas os gemidos não cessavam. Logo percebeu que o casal vinha do mesmo lugar de onde os gemidos que não cessavam também vinham. Seu instinto humano não se acuou e lhe fez subir para procurar a causa dos gemidos.
Não se sabia onde estava o porteiro naquela noite. Provavelmente ele havia saído pra chamar a polícia, pois os barulhos de pancadaria e gemidas já estavam sendo escutados na rua, o que facilitou o acesso de Jorge ao prédio.
De fato, ele não havia errado. Os gemidos altos vinham do 3º andar. Ao descer do elevador, conseguia visivelmente encontrar qual apartamento despertava tanta atenção, pois a porta estava aberta, mas as luzes da sala estavam apagadas. O local estava escuro. A cada passo que dava, seu coração batia mais forte, como se algo próximo da sua realidade ali estivesse. Entrou e, de longe, encontrou uma mulher ferida, muito espancada. Horrorizado, entrou para acudi-la, correndo o máximo que pôde. Para sua surpresa, quando pegou a mulher em seus braços, era sua esposa!
Há muitos meses sua esposa havia conhecido Henrique, casado com Margarete. Faziam muitas viagens juntos, Carmélia e seu amante Henrique. Nem sempre quando dizia que ia viajar a negócios, Carmélia realmente viajava, às vezes passava semanas ali mesmo na própria cidade com seu amante. Mas Jorge, seu marido, nunca desconfiara 
porque ela era sempre muito amorosa cada vez que se despedia dele para mais uma “viagem de negócios”. Em suas despedidas costumava fazer juras de amor, pedia pra que não olhasse pra ninguém, como uma mulher enciumada, afinal, ela estava se ausentando somente porque precisava trabalhar para que o futuro de ambos fosse perfeito, não se ausentava porque quisesse ficar nenhum dia longe dele, era o que ela dizia. Ela realmente não deixava nenhum rastro, por isso Jorge não percebia. Mas Margaret, mulher de Henrique, já desconfiava, sempre seguindo seu marido e naquela noite tinha sido o flagrante final. Carmélia foi espancada quase até a morte por Margarete, a mulher do amante Henrique.
Por ironia do destino foi Jorge quem salvou a própria mulher, mesmo com seu ego ferido. O sentimento ambíguo fazia parte de si naquele momento, mas acima de tudo, era um ser humano que precisava de ajuda. Não teve dúvidas: discutiria o relacionamento depois, naquela hora, só precisava salva-la! .





2 comentários:

  1. Anônimo23/10/11

    Neli, achei muito bom o o seu conteudo, muito bem publicado, Parabéns!!!!

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  2. Anônimo30/6/12

    Parabens, muito bom

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